sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

É Mágoa

Impressiona como coisas abstratas teimam em inquietar a memória. Algumas sensações aparecem quando se pensa que nunca mais haveria algo parecido. Aí se percebe que não é uma falha da memória, e sim o medo que nunca quis deixar a cabeça. O medo aterroriza. Tanto, que numa noite qualquer é capaz de destruir qualquer sono, qualquer sonho. Um pesadelo consegue deixar o indivíduo tão indefeso, que não tem pra onde correr, não existem ligações, palavras possíveis de serem ditas, e se é que elas existem, que afastem da cabeça a pior das sensações do mundo.
É que esse mundo marca, e tem vezes que marca tão profundamente que parece não existir força capaz e suficiente que nos faça, de repente, esquecer tudo. O maior desejo seria esquecer tudo. E que os sentimentos começassem do zero, sem marcas, sem lembranças. Que os medos fossem embora escorrendo, sofrendo, junto com a chuva. E que se pudesse rir, desdenhar do que se foi, dar adeus com um sorriso no rosto, sarcático, frio, duro. Um adeus calculista.
Só que a chuva vem, passa e não leva isso junto. O medo tem medo, e se encolhe na mente, temendo escorrer sofridamente. E aparece, quando o sol vem nascendo, se expande de uma maneira incrível a tomar conta do órgão vital, não só a mente, da cabeça. E dá um aperto, um aperto de tempos em tempos, parece que pra lembrar que está ali, não foi embora, está ali e vai ficar ali até a fortaleza ter força suficiente e mandar embora tanta abstração, que, à essas alturas, já está bem concreta, em lágrimas, em dor: o coração encolhido, apertado pelos braços que teimam em achar que é ali o problema.
Não adianta, não adianta ficar acordado, não adianta ficar enrrugado na chuva. Tem que ser forte. Como já se foi um dia que nem se percebeu que tava recebendo o medo com portas abertas e que iria atormentar por mais um tempo, até readquirir a força.
A vida dá sempre uma chance de mudar de rumo, já fez isso uma vez e porque não faz outra?
Pois bem, a força está aqui, está acumulando e quando menos esperar vai escancarar o coração, vai mandar embora este medo.
E escorrerá, devargazinho, pela sarjeta, fria, suja, com a chuva.

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